O tempo é uma locomotiva de poros ardentes, espirais que se comovem no céu em centelhas de pele, branco que arde no alto das cópulas verdes. Relâmpagos de árvores e ânforas de papel, o tecto dos teus olhos preso para sempre aos ladrilhos das minhas mãos. O tempo é um neologismo moderno, duas premissas cariadas no chumbo da boca, negro que vaza no tormento da casa. O tempo, meu amor, o tempo sem mais tempo. O tempo, meu amor, o tempo sem outro tempo. A escassez do nada no telhado do corpo, pó e fumo, cinza na ladeira dos dentes. A cadeira, a janela, a sola de borracha na carne da soleira de madeira. O tempo espera, meu amor, mas nós, nós nunca meu amor. À noite, o amor condescende entre as orlas cinzentas do teu cabelo, à noite e só de noite, o amor ilumina os fotões de água no orvalho do parapeito. Depois, a manhã leva-nos a alma à hora crepuscular do vazio. E o tempo, a quem escreve, a ninguém meu amor. Que nos sobrem apenas os segundos arborescentes que duram a eternidade ínfima da alvura verde dos teus olhos.
domingo, 8 de março de 2009
«nobody thinks about death in the supermarket»
segunda-feira, 2 de março de 2009
psicolOST
Fechar as portas ao mundo porque o mundo está mais fodido do que nunca
(Ou porque eu estou mais atenta do que nunca aos sarilhos em que o mundo se meteu Ou os sarilhos do mundo são os meus próprios)
E esquecer que existo neste tempo de agora, esquecer que existo num tempo que não é meu
Esquecer que preferia ter nascido há umas tantas décadas atrás, quando tudo era excitante,
as revoluções estavam por fazer e os verdadeiros génios por nascer
E no enquanto de tecer considerações sobre ... deixar este álbum a derramar das colunas da aparelhagem,
muito alto, líquido.
odawas - the blue depths (2009)
Fechar então os olhos depois de fechadas as portas
e pensar que talvez nesse outro tempo pudesse haver um lugar para mim,
que talvez fosse possível eu fazer parte dessas tais revoluções que talvez fosse passível de se fazer ouvir
a minha voz ?
Porque nascer noutro tempo significaria ser outra (e era isso que era preciso)
Esquecer a família em que nasci e deixar de me perguntar porque não me ensinaram tantas coisas que me fazia falta ter sabido antes
Esquecer a mágoa de ter que me construir de raiz já que isto que vou sendo não combina com este tempo
Esquecer o tempo de vez, deixar de pensar de vez no tempo, ponto final no tempo.
O meu tempo não é mais o tempo de ninguém
E no enquanto de tecer considerações sobre ... o som a escorrer das colunas da aparelhagem como água
como água a aumentar de nível
como água a elevar a mobília como água a afogar o gato. Como água.
E eu alheia a tudo OH! pela liberdade de não saber de nada
e OH! de já não ter memória e de não ter já consciência.
E nesse estado flutuante entraria num outro lugar do lado de lá de mim.
Ao reparar no meu corpo - lá deitado - numa mesa
no meu ser dissecado por milhares de folhas de cálculo cheias de equações espalhadas em redor
Sentar-me-ia e começaria pacientemente a aprender-me pra me construir.
Para me fazer caber neste tempo de agora
poria cada pergunta no seu lugar devido.
As que se respondem com a força da acção de um lado; as que se respondem com Amor, de outro; aquelas a que se responde provisoriamente só para que viver seja possível, doutro.
Na manhã seguinte quando despertasse, ao contrário do óbvio não teria sido só um sonho.
E então já podia ser tudo o que desejasse porque sabia como.
E por não ter como pedras perguntas a encalhar-me nos pés.